sábado, 15 de dezembro de 2007

Acabei de ler: "O ADVERSÁRIO", de EMMANUEL CARRÈRE

Começei a ler "O Adversário" com certo desconforto, um mal-estar indefinido, e também uma atração irresistível. Uma mistura de medo e fascínio como as tragédias humanas,as mais bárbaras e surprendentes, são capazes de provocar. A sensação de subir numa roda-gigante, entrar numa montanha-russa. E o livro apresenta uma dessas histórias aberrantes, que se não fosse apresentada como "reportagem", seria inverossímel. Descartaríamos sem pensar duas vezes.É a realidade superando a ficção.
Na manhã de 9 de janeiro de 1993, o médico francês Jean-Claude Romand mata sua mulher e os dois filhos. Viaja até a casa dos pais e mata-os também. Em seguida, tenta se suicidar, ateando fogo a própria casa. É resgatado pelos bombeiros. Fica em coma, mas sobrevive. A partir da tragédia, todos descobrem que aquele homem discreto, bom marido, pai e filho atencioso, que todos julgavam um exemplo de sucesso e discrição, viveu uma mentira por 18 anos.
Quem o conhecia se pergunta como foi possível ele levar adiante a mentira por tantos anos, saindo de casa diariamente para trabalhar, viajando para congressos e seminários ao redor do mundo, convivendo intimamente com tantas pessoas sem despertar suspeitas sequer de sua própria mulher. Conseguir simular ser um médico quando sequer concluiu o curso de medicina, não fazia e não faz o menor sentido. O autor alerta: " Um mentiroso se esforça para ser plausível; não sendo, a história que conta deve ser verdadeira."
Um trecho do livro, onde é descrita a morte dos pais explica o título e dá uma dimensão do espanto que é o crime de Jean-claude Romand:"No instante em que viam a morte, viam desabar tudo aquilo que dera sentido, alegria e dignidade às suas vidas (...) Deviam ter visto Deus e, ao contrário, assumindo os traços do filho querido, viam aquele que a Bíblia chama de satã, quer dizer, o adversário."
Escrito sem sensacionalismo ou sentimentalismo forçado, já que a história é, em si, tão crua e terrível que dispensa qualquer artifício, "O Adversário" incomoda por nos mostrar o lado oculto dos seres humanos, que talvez esteja adormecido em nós mesmos. Não há a figura do monstro, do assassino premeditado, do psicopata serial. Jean-Claude Romand tampouco é uma vítima, por quem posssamos ter compaixão, piedade. Comprendê-lo é impossível. Mesmo as observações dos psiquiatras parecem alucinadas, despropositadas.
O autor percebe que não pode ir muito além do relato dos fatos descritos no processo, de sua história pessoal perseguindo a verdade por trás das aparências etc. Afinal, como confiar em seu depoimento ou sinceridade? Conhecê-lo dispensa qualquer julgamento. É terrível, mas fascinante. Recomendo, mas não é uma leitura amena. Meu desconforto aumentou.

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