terça-feira, 9 de setembro de 2008

Democracia como prova de amizade.





Eleições é assunto do momento, lugar-comum. Vemos as espetaculares e ricas campanhas das grandes cidades. Nos jornais, pesquisas que mostram o vaivém dos candidatos. O Guia Eleitoral tem ares de novela das oito e as páginas na internet são capazes de encher nossos olhos.
As campanhas profissionalizadas, o eleitor sem contato direto com o candidato e a roda-viva de um grande centro, tudo faz a eleição ocorrer dentro da chamada "normalidade democrática", viraram rotina.
Há também um justificado descrédito da possibilidade de mudança real pelo voto com uma participação política cada vez menor, inclusive provocado pelo nivelamento ideológico dos partidos e dos discursos de campanha.
Ninguém dá atenção as campanhas das pequena cidades, como elas mexem com a rotina e com as relações sociais. Como tem características tão peculiares.
Nos pequenos municípios a figura do indeciso é quase inexistente. A adesão a um dos lados, um dos partidos, ocorre já no início da campanha. "Partidos" também é força de expressão, pois são apenas legendas, usadas para preencher uma exigência legal.
Atualmente os partido estão sendo designados localmente por cores. É o " verde " contra o " amarelo " ou qualquer outra tonalidade do espectro de cores. Sim, porque também não há mais que duas correntes partidárias. Não há sequer partidos políticos sólidos.
Nas pequenas cidades também não cabe a figura do "apolítico". A neutralidade é vista com desconfiança, como se fosse uma falha de caráter. Há que se escolher um dos lados e geralmente a decisão ocorre muito antes do período eleitoral. O candidato que não é lançado logo após a definição das regras eleitorais, já parte com uma enorme desvantagem. Compromisso político é como a honra pessoal: não volta atrás, a não ser em caso extremo. Escolhe-se um lado e vai-se com ele até o final.Sim, porque também não há mais que duas correntes partidárias. Não há sequer partidos políticos sólidos. Quem está no poder muda de partido , se o seu candidato a governador ou presidente não se eleger, na maior sem-cerimônia. Governo e oposição disputam o apoio do governador que no fundo nem toma conhecimento da briga.

A possibilidade de vitória da oposição é sempre muito limitada. Depende mais dos erros do adversário do que de sua capacidade de articular um discurso de renovação política. O espaço público tem a cara da situação, o discurso oposicionista esbarra no argumento surrado de "tem serviços prestados", quando , na prática os tais "serviços prestados" são direitos constitucionais garantidos e o político que prestou o serviço é muito bem remunerado por ele.Vale um parêntesis: o serviço geralmente é um ato de assistencialismo, numa atualização grosseira das antigas práticas do coronelismo nordestino. Por exemplo, transportar doente em veículo oficial (e para um hospital também do serviço público de saúde...) tendo combustível à disposição, um "lanche" e uma ajuda de custo, tudo pago com o generoso dinheiro público.

Quem está no poder se apega a ele como um cão faminto ao osso. Não há o exaltado dever de servir ao povo, preocupação com o bem-comum. Beneficia-se de ter a máquina a sua disposição e faz uso dela sem o menor pudor. Direitos básicos dos cidadãos são manipulados e apresentados com um " favor ", um ato de generosidade do governante cujo pagamento é, obviamente, o voto.
Além de ser o principal empregador, manobrando a legislação para evitar o concurso público até onde é possível, também amealha apoios por meio das compras no comércio local. Comerciante fornecedor da prefeitura apoia seu candidato, mesmo que tenha que brigar para receber o dinheiro que a prefeitura lhe deve.

Servidores públicos que eram os maiores opositores do prefeito, revelando detalhadamente os desmandos da administração pública local e toda a incompetência do titular, de repente andam abraçados com ele, visitam os mais distantes e inóspitos recantos da área rural do município, fazendo trabalho de convencimento de eleitores.Muitos sacrificam as férias, a licença-maternidade, a licença-prêmio para apoiar sua reeleição ou o candidato que vai "substituí-lo". Geralmente, fazem isso é mesmo durante o horário de trabalho, com desfaçatez ,na maior cara-dura. Professores exaustos pela rotina de trabalho, mal pagos e insatisfeitos, lá se vão, sacrificando seu descanso semanal constitucional em defesa do "seu" candidato.
Mas o que é mais surpreendente e digno de uma tese de mestrado é o estremecimento das relações humanas, antes cordiais e serenas, como é típico de um ambiente rural. Tamanha paixão se adquire por um ou outro lado, há um acirramento dos ânimos que vai muito além da paixão política: antigas amizades ficam estremecidas, parentes se desconhecem, vizinho se provocam. Se o pais e filhos apoiarem candidatos diferentes, haverá provocação de parte a parte, comprometendo a harmonia doméstica. Expressões carregadas de ressentimento e mágoa agridem aquele que ousar apoiar o candidato do outro lado, onde antes havia um sorriso generoso. Evita-se visitar parentes ou mesmo levantar o olhar , estabelecer contato visual com o adversário. Bater papo já é visto como uma capitulação, uma fraqueza, pois deixa margem para que o outro aborde o assunto "política " e assim argumente em favor do candidato dele. Ou seja, é a democracia ao contrário, onde o debate político fica travado. E, candidatos sem plataforma política, são escolhidos por "afinidades". É a Democracia como prova de amizade.

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